Pequena Coreografia do Adeus, de Aline Bei

A escritora paulista Aline Bei ganhou destaque ao lançar o seu primeiro romance 'O Peso do Pássaro Morto' (Nós Editora), em 2017. A obra foi aclamada como Melhor Romance de Autor com Menos de 40 anos no Prêmio São Paulo de Literatura de 2018. Em 2021, pela Companhia das Letras a autora publicou seu mais recente livro, intitulado 'Pequena Coreografia do Adeus', que lhe rendeu uma indicação ao Prêmio Jabuti.


Em 'Pequena Coreografia do Adeus', a autora dá continuidade ao seu traço de contar histórias através de uma estrutura que traz a quebra das frases como numa poesia. O resultado é um texto cuidadoso de quem escolhe a dedo as palavras certas para narrar a formação de Júlia, uma jovem que desde cedo tenta lidar com a separação dos pais e ao mesmo tempo se encaixar em um mundo que a todo instante lhe comprime numa forma que ela não parece se encaixar bem.


O olhar da Júlia criança, ao ver seus país separados traz a aversão de sua mãe que a reprime com violência, em muitas das vezes gratuita, e a ausência de um pai que pouco dialoga com a mesma. Ela cresce com esse exemplo de família, mas tendo inveja das outras crianças amadas, que possuem um lar seguro e acolhedor, o contrário do que ela possui.  A exemplo disso, quando Júlia passa pela menarca, ao invés de receber cuidado, sua mãe a bate como uma punição por ter-se tornado mulher, trecho esse que nos faz inferir a mãe de Carrie , na obra de Stephen King. "- Reza, reza que passa." p.47. 

O divorcio mostra à personagem central, logo na sua primeira infância, que o amor é longe de ser eterno e a exemplo dos seus pais, pode acabar mais cedo do que o esperado, mesmo com uma das partes nunca aceitando ou envolvendo filhos na relação.



Por conta do que vivenciou, Júlia discorda e não quer se tornar uma reprodução do que seus pais foram, bem como sua mãe chegou a dizer que "a sua vó era pior do que eu, Júlia", ao ponto que a jovem exige e está em busca de romper esse ciclo com uma mudança radical. Nessa guinada, ela passará a conhecer outras pessoas e o distanciamento familiar lhe dará não só um olhar diferente de seus pais e seu passado, como irá alterar a relação que essa família dispunha. 

De fato, a estrutura do romance de Aline Bei é um grande diferencial em sua obra. Às vezes muitas histórias boas acabam se perdendo por não terem uma forma original de serem contadas, em outras a forma se sobrepõem ao enredo; mas aqui a autora casou bem forma com conteúdo. Uma estrutura que deixa  nas entrelinhas espaçamentos para o leitor interpretar e deduzir o que está sendo "não dito", seja uma frase em minúsculo para traduzir a pequenez da personagem diante de um ocorrido ou caracteres que reproduzem movimento ou distanciamento.


'Pequena Coreografia do Adeus' é um romance sublime e forte, por vezes incomodo, mas com a capacidade de fazer o leitor ler cada trecho em voz alta, para assim sentir o sabor das palavras e refletir sobre uma vida dançando em meio à relações complexas. 


Ficha técnica: 

Título: Pequena Coreografia do Adeus | Autora: Aline Bei | Editora: Companhia das Letras| Edição: 1 | Ano: 2021| Gênero: Romance brasileiro contemporâneo| Páginas: 282| ISBN: 9786559210411
Resenha de número: 443

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9 Comentários

  1. Olá,
    Estou com esse livro para ler e gostei de conhecer mais. Parece ter bastante o estilo do Peso do Pássaro Morto principalmente sobre a parte de incomodar durante a leitura.

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  2. Olá, tudo bem? Já tinha ouvido falar dos livros da Aline Bei e essa forma de escrita dela, que uns adoram e outros não se adaptaram. No meu caso, acho que se fosse ler, teria que me demandar atenção, já que esse tipo de estrutura fora do convencional sai da minha zona de conforto. Ainda assim, penso em um dia tentar, até porque vemos muitos elogios as histórias dela. Sua resenha é mais uma que aguça a querer tentar. Adorei!
    Beijos

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  3. Nossa, eu já tinha ouvido falar sobre esse livro. Mas nunca me atentei a saber do que se tratava. É de fato uma leitura forte e marcante, assim como a capa dele. Que bom que gostou da experiência.
    Bjks!
    Mundinho da Hanna

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  4. Menino, eu li 'O peso do pássaro morto' e tive uma baita ressaca literária por meses, que a escrita da autora é um fenômeno único neste planeta, nem duvido, mas para mim tem que chegar em doses homeopáticas, e sim, esse livro está em minha lista de leitura.

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  5. Olá, Pedro! Que interessante essa obra! Me interessei!! Achei bacana o tema e fiquei muito curiosa pela escrita da autora. Em 2027 eu estava muito desligada do mundo literário, então perdi a publicação da primeira obra da Aline. Mas já quero ler também!!

    Muito grata por compartilhar suas leituras!

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  6. Oi Pedro, tudo bem? Quando esse livro foi lançado lembro que muitos leitores estavam ansiosos devido ao sucesso anterior. Creio que deve ter sido semelhante aguardar um livro J. K. Rowling ou da Sarah J. Mass. Histórias que envolvem família ou relacionamentos sempre nos fazem pensar em nossas próprias vidas. Eu, por exemplo, sou filha de pais separados e não tive muito contato com meu pai, principalmente depois que minha mãe se casou de novo e nos mudamos milhares de vezes. Além do ambiente diferente (senti bastante falta dos meus avós), minha mãe sempre "preferiu" meu padrasto. E isso gerou muitas discussões quando eu era adolescente. Nunca tive uma boa relação com ele, cresci apenas aceitando. E quando tive oportunidade saí de casa. Por um lado até agradeço porque isso me tornou bem mais forte, independente, e responsável pelas próprias escolhas. Minha irmã, por outro lado, é muito dependente e não consegue se afastar. Completamente diferente de mim. Um abraço, Érika =^.^=

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  7. Oi Pedro, tudo bem? Quando esse livro foi lançado lembro que muitos leitores estavam ansiosos devido ao sucesso anterior. Creio que deve ter sido semelhante aguardar um livro J. K. Rowling ou da Sarah J. Mass. Histórias que envolvem família ou relacionamentos sempre nos fazem pensar em nossas próprias vidas. Eu, por exemplo, sou filha de pais separados e não tive muito contato com meu pai, principalmente depois que minha mãe se casou de novo e nos mudamos milhares de vezes. Além do ambiente diferente (senti bastante falta dos meus avós), minha mãe sempre "preferiu" meu padrasto. E isso gerou muitas discussões quando eu era adolescente. Nunca tive uma boa relação com ele, cresci apenas aceitando. E quando tive oportunidade saí de casa. Por um lado até agradeço porque isso me tornou bem mais forte, independente, e responsável pelas próprias escolhas. Minha irmã, por outro lado, é muito dependente e não consegue se afastar. Completamente diferente de mim. Um abraço, Érika =^.^=

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  8. Já ouvi falar muito bem dessa autora. Até peguei O Peso do Pássaro Morto para ler. Porém, eu não li... enrolei, e deixei passar. Isso tem tempo já!
    Confesso que tenho, às vezes, um feeling estranho, e talvez eu perca a oportunidade de ler uma obra prima. Por exemplo, vi essa capa do livro em diversos lugares, sei que a autora manda muito bem, escreve com qualidade e profundidade. Mas, lendo sua resenha, vejo que não me seria uma leitura confortável. E não é nem porque tem algo da minha vivência e talz, porque não tem.
    Leitor: cada um com suas manias, afinal de contas.
    PARABÉNS pela belíssima resenha e representação do que leu nessa obra.

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  9. Olá, tudo bem?
    Eu já ouvi muitos elogios sobre ele, mas confesso que não sabia sobre o que se tratava. Pelo que você falou, parece ser uma leitura intensa e impactante, daquelas que a gente se vê refletindo por um bom tempo depois que termina de ler. Amei a resenha e vou adicionar na minha lista.
    Beijos

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