Virginia Mordida, de Jeovanna Vieira

Finalista do Prêmio Kindle de Literatura em 2019, "Virginia Mordida", o primeiro romance de Jeovanna Vieira, lançado de forma independente, ganha casa editorial e é publicado pela Companhia das Letras. Acompanhamos a protagonista que dá título à obra, seguindo uma narrativa que adentra em um relacionamento tóxico repleto de abusos psicológicos.

Virginia é uma carioca que acabou de sair de um relacionamento duradouro de dez anos. Ela tem uma vida independente como advogada bancária e possui uma boa rede de apoio, não só de suas duas melhores amigas, Dorias e Penélope, mas também de sua família aquilombada. Porém, as coisas tomam novas perspectivas em sua vida quando, na cena noturna da grande São Paulo, ela conhece e engata um relacionamento com Henri, um ator argentino que fez grande sucesso quando criança e que possui sequelas dos abusos de sua mãe, que sofria de síndrome de Munchausen por procuração.

O que, a princípio, parecia ser o relacionamento dos sonhos — do beijo que se encaixa ao sexo explosivo — vai se descortinando por meio de "pequenas" rusgas que ressaltam problemas mais profundos e culturais, principalmente nas questões de gênero, dominação masculina e raça, uma vez que temos aqui um relacionamento interracial. Em uma narrativa cheia de flashbacks, acompanhamos o passado, o desenvolvimento da relação e a eclosão de fatores que pensamos não existir fora de nossas bolhas, mas que estão presentes desde os detalhes "invisíveis" até os mais aparentes.

Cara de abobalhado é fojo pra pegar animal ferido 

Nota mental: não subestimar, o homem gringo ainda é um homem. De início a gente pode até achar que eles são de outra espécie. Um tipo novo a que não fomos apresentadas. Baixamos a guarda porque o sotaque desarma um dispositivo, acreditamos que são dóceis, domesticáveis, porque estiveram submetidos a diferentes tábuas de maré, outra língua, outra temperatura, outra pressão. Mas no fim essa coisa de tratar os estrangeiros como menos danosos que os domésticos, tratá-los como café com leite, tem isso de fazer a gente se decepcionar de uma nova forma. Eu sabia, mas quis um pouco dessa miragem. [Trecho da página 48]

Em uma linguagem clara e bem direta, Jeovanna Vieira nos apresenta uma história de capítulos curtos, mas com detalhes precisos. Suas passagens são cheias de situações que mostram o que as mulheres passam desde a culpabilização da vítima e, com um recorte racial, até como essas violências são ainda mais impulsionadas, visto que são corpos hipersexualizados.

Logo na primeira vez que transamos, Henrí olhou meu corpo despido e soltou algo como, Vou ter que me esforçar pra dar conta de você. Achei que estivesse com dificuldades de entender o português com sotaque dele, mas era isso mesmo. Ele encarou meu corpo como a maioria dos homens brancos: para eles, sou uma máquina de fazer sexo. [Trecho da página 64]

"Virginia Mordida" é uma leitura poderosa que nos faz refletir sobre as diversas formas de violência e opressão que muitas mulheres enfrentam diariamente. Jeovanna Vieira, com sua escrita envolvente e impactante, nos convida a questionar nossas próprias percepções e a reconhecer as nuances das experiências femininas, especialmente no contexto de relações interraciais e desigualdades de gênero. O livro destaca, em particular, a intersecção das mulheres negras, que enfrentam camadas adicionais de violência e discriminação devido ao racismo estrutural e à hipersexualização. Este romance não apenas entretém, mas também educa e inspira mudanças.

~º~º~º~º~º~º~º~

Ficha técnica: 

Título: Virginia Mordida | Autor: Jeovanna Vieira | Editora: Companha das Letras | Edição: 1 | Ano: 2024 | Gênero: Romance brasileiro | Páginas: 194 | ISBN: 9788535936599
Resenha de número: 454

Postar um comentário

0 Comentários