Escrevendo Histórias: Na rota de Vitória Maria


     A escritora Vitória Maria nasceu em Campina Grande, porém, foi criada na zona rural de Fagundes, cidade localizada no agreste paraibano com pouco mais de 11.000 habitantes e inicialmente povoada pelos índios Cariris. Concluindo o curso de Geografia na Universidade Estadual da Paraíba, há quatro meses ela passou a morar em sua cidade natal por conta das aulas e melhor qualidade de vida. “Foi aqui [Campina Grande] que eu perdi a timidez, foi aqui que eu fiz muitos amigos, deixei de me prender tanto no meu mundo e comecei a viver mais no âmbito social. Conheci a cidade grande e vi coisas que nunca tinha visto como um ônibus coletivo. Foi uma ruptura muito grande. Consequentemente também veio as responsabilidades.”, conta a autora que atualmente lança seu primeiro romance.

     Desde criança, Vitória Maria sempre teve uma ligação forte com o ato de criar e contar histórias, tanto é que começou cedo, aos nove anos de idade, a esboçar seus primeiros romances como uma forma de apresentar e viver suas histórias junto aos colegas de escola. Seus livros foram escritos a mão em cadernos escolares, sendo estes carregados por ela até hoje. Para Vitória Maria, são livros publicados porque estão todos organizados, possuem capa, ficha catalográfica, sumário, numeração de páginas e até mesmo epígrafe e prefácio, portanto, livros únicos e como ela diz “se eu perder um deles eu perco a história completa.”. Ao todo, são mais de vinte livros escritos de lá pra cá, navegando em gêneros como romance, suspense e drama. No entanto, só recentemente ela obteve a oportunidade de publicar seu primeiro romance Rota de Colisão pela Pod Editora.

     Rota de Colisão, apesar de não ser o preferido da autora e nem o primeiro que ela escreveu, foi o primeiro publicado porque, segundo a autora, o livro estava mais organizado e também por conta da pressa da editora em ter um material revisado em menos tempo. Trata-se de um livro escrito pela autora aos dezessete anos sobre uma adolescente entrando na vida acadêmica e que, infelizmente, passa por um trauma que vai mexer profundamente com ela.

     Antes da publicação a autora passou a vender doces para ajudar nos custos de produção, coisa que não se arrepende e atividade que pretende continuar já que para ela a cozinha representa uma paixão. Atualmente Vitória Maria sonha em galgar uma carreira acadêmica, também em ter o seu lugar físico para o Doces da Vick, onde divulga e comercializa seus produtos culinários, mas sem esquecer nunca da escrita, parte essencial de si que a faz ser quem ela é.

   A segui a autora bateu um papo conosco sobre seu primeiro romance publicado e alguns aspectos de sua relação com a literatura e escrita.


Rota de Colisão, romance de estréia da autora


Entrevista

➡ Como surgiu a ideia de escrever o Rota de Colisão? 

Victória Maria: O Rota de Colisão eu escrevi em 2014. Surgiu da ideia de escrever um livro que fosse mais intimista, que tivesse um pouco de mim e das minhas colegas de escola. Tinha acabado de concluir o ensino médio... além de algo que falasse também  um pouco sobre violência de gênero, e foi aí que eu escolhi a temática do estupro. Eu tinha 17 anos, acabado de sair do ensino médio, e não sabia nada sobre, então eu fui estudar… Li matérias, assistia reportagens especiais, relatos de pessoas que passaram por isso e no meio da construção desse livro eu acabei descobrindo que uma amiga muito próxima passou por isso. Então me deu mais vontade de escrever sobre, e foi aí que ele foi se construindo.

➡ Do que se trata a obra Rota de Colisão

V.M.: Ele conta a história de Milena, que é uma adolescente, que tá começando a vida adulta e passa pelas responsabilidades de buscar o primeiro emprego, de buscar uma formação acadêmica para ajudar em casa com a mãe e a irmã dela… E no meio dessa construção que ela começou na vida adulta vem o estupro que acaba rompendo toda a armadura que ela fez pra conseguir vencer as responsabilidades. E, a princípio, ela não conta a ninguém. Ela vai convivendo com a dor, com o sofrimento sozinha, então todas as paranoias e o medo de acontecer de novo, o receio de se deslocar e do que aconteceu. Como ela vai lidar com todas essas coisas sendo que ela não tem coragem para contar e nem pedir ajuda? Nesse caso foi justamente baseado nas coisas que eu assisti, que a maioria dos casos as mulheres que são violentadas não procuram ajuda, seja familiar, de amigos ou psicológica . Elas acabam por se privar, ter vergonha — principalmente de assumir o que aconteceu, elas sentem repulsa do próprio corpo, então elas acabam se fechando e se prendendo naquele sofrimento. Eu quis retratar isso na visão de uma adolescente. O público alvo do livro não é uma massa tão adulta. O resumo é isso. Ela vai aos poucos tendo que viver com isso, além de arcar com todas as responsabilidades sem ninguém saber, o que vai prejudicar ela na família, com os amigos e nos relacionamentos amorosos.

➡ A personagem Milena tem um pouco de Vitória Maria? 

V. M.: Tem muito do meu pessoal sim. Na verdade, Milena leva muito de mim. Ela é uma mistura das minhas quatro melhores amigas de colégio. Quando você escreve o livro em primeira pessoa — o livro é todo escrito em primeira pessoa — não tem muito como dissociar do pessoal, pelo menos quando eu escrevo em primeira pessoa eu sinto isso e construir uma personagem feminina, eu sendo mulher, enfim... Acaba aproximando mais. Então, eu sinto que a personagem tem muito de mim e das pessoas que me rodeiam.

Como foi o processo de processo de publicação, houve dificuldades?

V. M.: Então, a vontade de publicar vem de muito tempo. Desde 2010, quando os meus professores, da época de colégio tomaram conhecimento —  principalmente meu professor de português e história — , tentaram entrar em contato com as editoras, mas não era o perfil que elas queriam. Quando a editora pega o teu projeto para te lançar, é mais difícil. Quando você paga é mais fácil. E isso foi se arrastando, um vai-não-vai, sempre recebendo um não. Inclusive a editora da UEPB recebeu um manuscrito meu, mas aí não deu em nada. Foi que os livros ficaram em segundo plano por um tempo, eu parei de procurar por uns três anos, mais ou menos. Em um dia eu estava em casa, paralisação aqui na universidade, eu acho, e tava sem fazer nada na Internet, aí fui procurar por sites de editoras, fui entender melhor como funciona o processo de publicação e vendo que existem editoras independentes, que você paga para publicar, e a que editora convida você a fazer parte. E aí que eu comecei a mandar e-mail para todas elas, alguns contatos já nem existiam mais e algumas me responderam com um orçamento muito alto, todas as que você não paga me disseram não até que a PoD editora me respondeu e disse “Vitória, a gente gostou muito da tua obra”. A editora precisa aceitar o teu matéria — a menos que você tenha muito dinheiro. Não é simplesmente chegar e publicar, ela vai envolver o nome dela. Isso em julho do ano passado me responderam "gostamos demais da tua história e vamos te ajudar a publicar", e foi então que começamos a construir o Rota de Colisão e a campanha para arrecadar dinheiro para a publicação.

Rota de Colisão em meio aos manuscritos originais escrito ao longo de anos a mão 

➡ Hoje você tem mais de 20 livros escritos, geralmente o que você aborda em suas obras? 

V. M.: Até o 17º, eram histórias de amor. Aí a gente vê a realidade como é e vai escrever sobre outras coisas, passa a perceber que contos de fadas não existem. Comecei a escrever sobre fantasia também. Sempre fui muito fã de histórias fantasiosas, como Dezesseis Luas, Diários de um vampiro, essas coisas de seres sobrenaturais, de homens e bruxos. E fui estudar um pouco dessas histórias para fazer diferente daquilo que já existia, daquilo que já é mostrado. Tem muito clichê nas primeiras obras, confesso, e hoje eu escrevo outros gêneros; no Rota de Colisão já é algo que destoa do que escrevi antes porque ele não gira em torno de um casal, ele não gira em torno de uma fantasia, ele gira em torno de um problema... Um problema que é real, que é a questão da violência contra mulher e tudo mais.

➡ Como foi abordar esse tema do abuso sexual?

V. M.: Escrevi há quatro anos, com dezessete anos, então não tinha muito experiência de vida e nem responsabilidade. Eu tinha acabado de terminar o ensino médio em uma cidade pequena e nem conhecia Campina Grande. Abordar a questão sexual foi complicado por falta de experiência mesmo, eu tive que pesquisar e conversar sobre, foi difícil construir isso por falta de propriedade para falar do assunto. Foi um desafio que eu tentei enfrentar e, de certa forma, consegui.

➡ O que é a escrita para você?

V. M.: Já é parte de mim, é como tomar água: é importante, é vital e bom. Eu não me vejo sem escrever. Mesmo que eu não tenha tempo por conta das responsabilidades da vida, escrever quatro desses por ano eu não consigo, mas eu sempre vou escrever alguma coisa sempre. É como se eles fossem realmente meus filhos.

➡ Como é seu processo de escrita? 

V. M.: Eu vejo uma situação e imagino o antes e depois dela. Ou imagino só o antes e penso em como chegar no final. Depende muito. Os [livros] mais antigos, que eu escrevia no colégio, foram sobre eu e minhas colegas com bandas e cantores preferidos, e cada uma delas tinha o seu personagem e escolhiam quem seria seu par romântico, e eu escrevia. Hoje eu não sossego enquanto não chegar naquela parte que eu pensei primeiro. Se eu imaginasse o final da história primeiro, escrevo em quinze dia, no máximo. Tem alguns livros que o tempo de fala e de cena é o tempo de uma música, o que fala aquela música é o que eles estão vivendo naquela parte. O Entre Luas e Almas é do começo ao fim baseado em músicas do Bob Dylan; do primeiro ao último capítulo são músicas dele que estão citadas direta ou indiretamente no livro. Isso me ajuda a contar a história porque me desafia a chegar nessa coisa específica criados situações até chegar lá no objetivo.

➡ O que o leitor pode esperar do seu romance? 

V. M.: Eu gosto muito de deixar livre a interpretação de cada leitor. Até chego a me surpreender com algumas interpretações novas que as pessoas trazem. Às pessoas que terão acesso ao meu livro, gostaria de dizer que eu ainda era uma menina, estava crescendo e a Milena [personagem] estava representando a minha fase. Hoje eu mudei totalmente, porém, é preciso que as pessoas conheçam ela e quebrem os seus medos, mesmo que os medos sejam grandes demais, cada um vai sentir de uma forma e isso deve ser respeitado, sabendo o problema, independe do tamanho pode ser superado. Por mais que pareça uma história clichê, espero que ela faça uma diferença na vida de cada leitor e uma pequena reflexão. Se isso acontecer, eu já estarei feliz.

➡ Como está sendo a recepção do Rota?  

V. M.: Foi até uma surpresa que tenha vendido tanto. Estou com as últimas unidades. O pessoal que está lendo estão adorando e elogiando. Teve um amigo meu, inclusive, que não dormiu para terminar a história, ficou viciado em meu livro! É como eu falei, se eu não tivesse vendido nenhum livro, eu estaria feliz do mesmo jeito. E mesmo que tenha crítica negativa, isso não iria me afetar muito, claro que uma crítica construtiva serve para melhorar e nós temos sempre o que aprender. Em suma, eu estou bem realizada e feliz com a recepção dos leitores.

➡ Quais suas influências? O que você gosta de ler e ouvir? 

V. M.: Minha escritora preferida é Clarice Lispector, não por modinha, até porque eu leio Clarice desde meus doze anos. A hora da Estrela é meu preferido dela. Sempre gostei de ler poesia, apesar de não gostar escrever poesia. Castro Alves, Olavo Bilac, Cruz e Sousa, Álvares de Azevedo. De música, eu gosto muito de rock nacional, às vezes um funk [risos]. De fato, eu escuto muita música e assisto filmes. Muitos desses filmes me inspiram, assim como música. Gosto de drama, comédia romântica e ficção. Os filmes de terror ajudam a ensinar a segurar os plot twist das coisas, porque como eu ficava muito afobada para escrever logo, tive que aprender a ir devagar para quando chegar em um momento específico soltar. Em Rota de Colisão você já é apresentado aquilo ali desde o início, a personagem não espera, você não espera e é surpreendido.


➡ Você acredita em sonhos? 

V. M.: Se você não sonha, se você não alimenta isso, vamos crescer frustrados. É preciso ter meta para que a vida tenha sentido. A gente não sabe de onde viemos e nem para onde vamos, mas entre esse espaço de tempo de onde e para onde existe toda a nossa vida, se não tivermos um foco, um sonho, uma meta, esse espaço vai parecer um vácuo, então que sentido teve a sua passagem de ontem para hoje se não construirmos nada? Eu sempre tive o sonho de ser escritora e publicar o livro e nunca desisti, mesmo com as adversidades. Se a minha mensagem pudesse atingir um número grande de pessoas seria essa: tenha metas, não desista, trabalhe e construía. O tijolo que você assenta hoje será o seu edifício amanhã.

➡ Qual o poder da literatura? 

V. M.: Liberdade. Essas palavras aqui te levam a um nível que nada explica, uma coisa pessoal sua. Mas tudo se resume a liberdade. É no livro que você vai interpretar, mostrar o que você sente e se identifica com as personagens, estando liberto a imaginar o que quiser. Eu descrevo, mas a imaginação a ser sua. Você está liberto para viajar dentro da literatura.

➡ Por fim, como o leitor pode adquiri o seu romance?

V. M.: É possível adquirir através do site da  PoD editora ou diretamente comigo, basta me procurar nas redes sociais. 



Produção: 
Andreza Valdevino 
José Pedro da Silva Júnior 
Kermelly Kelly 
Luana Alberia

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