'Não me abandone jamais', de Kazuo Ishiguro

'Não me abandone jamais', de Kazuo Ishiguro, é um romance que sempre esteve em minha lista de desejados desde que li o livro 'A solidão dos números primos' e constava no Skoob indicado para os que gostaram desse segundo. Entre o tempo de descoberta do romance e de leitura, Ishiguro foi agraciado com o principal prêmio de literatura: O Nobel, e finalmente tive a oportunidade de lê-lo.


Como um monologo interior e com poucos diálogos, Kate, agora aos 31 anos, retorna ao passado, com foco em três períodos de sua vida: além do atual, a infância e juventude onde foi criada na renomada Hailsham, uma internato. As crianças desse lugar não possuem laços familiares, e vivem uma rotina de estudos e exercitam o seu lado artístico ao construírem obras de arte. Dentre essas crianças, Kate cria amizade forte com Ruth e Tommy, um laço que é levado até os últimos dias desses jovens. Porém, eles não tem um futuro nem um presente muito bem delimitado, pouco entendem do mundo a sua volta ou do que lhes esperam lá fora.

Kathy, Ruth e Tommy foram criados com uma finalidade: terem seus órgãos doados. Por isso precisam tanto preservar os seus corpos. Após a adolescência as doações começaram, e os que ainda não iniciaram o processo, são responsáveis por cuidar daqueles que ainda estão vivos, até que a morte os leve. Nesse ínterim, um triangulo amoroso acaba surgindo, e as esperanças de uma vida prolongada toma conta: será possível adiar o inusitado?


Kazuo Ishigura é um autor que sabe bem como envolver o leitor em uma narrativa. Trata-se de um romance cheio de sutilezas e com uma escrita extremamente sofisticada que ressalta as emoções e as características de cada personagem, cada qual se sustentando à sua maneira. O relato de Kathy é cheio de detalhes, dentro do que ela sabe e do que foi colhendo ao longo dos anos sobre esse universo criado pelo autor. 

Aqui temos uma sociedade que busca nos clones uma forma de perpetuar a espécie humana, porém, o debate que se expande é sobre os avanços tecnológicos e o quão humanos são essas pessoas clonadas, pois, embora sejam clones, eles têm pensamentos, sentem dores e possuem as capacidades de raciocínio e discernimento. Por que então a vida deles são de menor valor do que as das demais pessoas que já estão no mundo? Afinal, vale a pena suprir uma necessidade em cima do sofrimento alheio?

Alguns episódios da narrativa vão mostrando o quão em sitônia com o humano essas pessoas estão. Mesmo sendo criadas longe do convívio social, os jovens criam afetos e relações de amor, ciúmes e desgosto resultando em cenas tristes e melancólicas de arrependimento: o resultado de atitudes impensadas que atrapalham o convívio daqueles que realmente se amam e poderiam ter criado algo juntos.


'Não me abandone jamais' é uma alegoria para os nosso tempos, onde cada vez mais o comércio clandestino de órgãos avança e faz mais vitimas (em destaque os mais pobre em função dos ricos). é também um livro que fala sobre aproveitar as oportunidades que nos aparecem de expressar aquilo que está guardado no intimo de nossos corações, sem deixar passar esses momentos. Atitudes como essa podem mudar o ciclo de nossas vidas.
"E assim foi que aquele sentimento voltou outra vez, mesmo que eu tentasse mantê-lo a distância: o sentimento de que não estávamos fazendo aquilo tudo tarde demais; que já tinha existido o momento certo, que nós deixamos passar, e que havia algo de ridículo, até mesmo censurável, no modo como estávamos pensando e planejando."
Esse romance é de dilacerar o coração, nos faz ter compaixão pelo Tommy, pela Kathy e principalmente pena por Ruth, uma jovem que estava perdida em si mesma. Mas nos deixa mais atordoados ao sabermos que a suplica do título do livro é extremamente verdadeira, e a Kathy fez bem o seu papel de cuidadora. No fim, fica um sentimento de desespero, aquele que sentimos quando vemos uma tragedia diante de nossos olhos e nada podemos fazer para alterar.

Ficha técnica 

  Título: Não me abandone jamais
  Autora: Kazuo Ishiguro
  Tradução: Beth Vieira
  Título original: Never Let Me Go
  Editora: Companhia das Letras
  Edição: 2
  Ano: 2016
  ISBN: 9788535926552
  Gênero: Romance estrangeiro
  Páginas: 344
  Resenha: #407

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