Os conflitos familiares de 'Pequenos Incêndios Por Toda Parte' [Celeste NG]

    'Pequenos Incêndios Por Toda Parte', ganhador do prêmio de melhor ficção do Goodread em 2017, é um romance que, apesar de suas 416 páginas, consegue fluir de forma que o leitor esquece o seu tamanho e a única preocupação é a de chegar a última página a fim de descobrir como a autora vai resolver os problemas que vão se amontoando ao longo da obra.
"Às vezes, quando você acha que tudo está perdido, encotnra uma saída. [...] É coo um incêndio floresta. Eu vi um, anos atrás, em Nebraska. Parece o fim do mundo. A terra fica toda queimada e preta, e todo o verde some. Mas, depois de queimar, o solo fica mais rico e coisas novas podem crescer ali. [...] As pessoas tabém são assim, sabe? Elas recomeçam. Dão um jeito." p. 363

      Shaker Heights, em Ohio, é uma cidade perfeita para qualquer pessoa viver. Ela foi toda planejada para oferecer qualidade de vida, saúde e educação a seus moradores. Viver nessa cidade é sinal de qualidade de vida e tranquilidade. Nesse lugar vive a família Richardson, exemplo de inquilinos desse local. Elena Richardson é a matriarca, que sempre planejou a sua vida a dedo. Casada com um advogado, possuem quatro filhos. Os dois primeiros (Trip e Lexie), respectivamente,  com perfis mais atléticos e de líder de torcida, e os dois segundos (Moody e Izzy) com personalidade mais fechada e temperamento difícil. 

     Essa vida tranquila ganha uma faísca com a chegada de uma nova inquilina que aluga uma residência a família. Richardson: trata-se da fotógrafa Mia Warren e sua filha Pearl. Ambas vivem como nômades nos Estados Unidos, sem lugar definido, sem grandes luxos, até mesmo porque Mia trabalha apenas para suprir o básico de suas necessidades, dedicando a metade de seu dia para o trabalho artístico e o outro para uma atividade remunerada.

     Desde que se entende por gente, Pearl sempre esteve mudando de cidade com sua mãe, e por isso nunca se apegou a algum ambiente especifico, no entanto, ao se deparar com a rotina dos Richardson, ela passará a se sentir membro dessa família, numa relação que colocara em jogo segredos familiares que por anos nunca foram descobertos ou solucionados e trará a tona as rachaduras dos Richardson numa batalha judicial pela guarda de uma criança. Assim como também assuntos do lado de Mia, que no passado fez escolhas difíceis. O resultado disso tudo é revelado no primeiro capitulo, uma forma da autora fazer com que o leitor se veja ansioso para descobrir o motivo do incêndio que destruiu tudo.
     Apesar de ser a segunda obra da Celeste NG, este é o primeiro livro de sua autoria que lemos. Trata-se de um romance contundente e muito bem escrito, no qual a autora conseguiu caminhar por uma gama de assuntos sem deixar a peteca cair ou tornar a leitura enfadonha. Ok que os primeiros capítulos com tons de apresentação são mais demorados, no entanto, o livro engata e ganha fôlego.

   NG tem sim uma escrita cheia de descrições e momentos que são flashbacks e também flashforward, ou seja, a narrativa tem confirmações sobre o futuro e também volta no tempo para explicar momentos atuais. Dessa forma, o romance é cheio de camada, não só nesse aspecto, mas dos núcleos de personagens bem interligados. Temos, além das duas famílias já mencionadas, uma adoção inter-racialnde um bebê chines por um casal americano rico que está totalmente ligado as duas famílias, mas que toma uma boa parte do livro; a morte do irmão de Mia e a relação tensa com seus país, e os adolescentes que também exercem papéis cruciais.

     Como dito, os temas tratados são diversos, alguns mais sutis como a sensacionalismo do programa do Jerry Springer (uma especie de Casos de Família) e o escândalo sexual do ex-presidente americano Bill Clinton - assuntos mais distantes de nossa realidade brasileira. Por outro lado, vem os temas universais como maternidade, adoção, aborto, infertilidade, diferenças de classes e o peso de nossas ações. Todos esses assuntos são tratados e mostrados de maneira que o leitor passa a entender a motivação dos personagens. Isso mostra que aqueles que não estão cientes das reais atitudes de alguém passa a julgá-lo não pelos motivos que levaram tal pessoa a cometer aquela ação, mas sim pelos próprios princípios de quem está julgando, independente do que esse outro tenha feito. 
     Também há uma forte crítica à ética profissional, já que em determinados momentos, uma das personagens usa a sua posição como jornalista para chegar até suas fontes não com o proposito profissional, mas pessoal, a fim de usar o que descobriu como vantagem em relação a outra. Isso se repete na ética médica em prol do famoso "favorzinho": "me ajuda que eu te ajudo!".  Assim como há crítica nas relações de classe, com a adoção inter-racial, onde quem tem mais poder aquisitivo acaba sendo privilegiado, mesmo quando os pobres merecem mais.

     O mais interessante dessa obra é que o narrador não possui uma opinião sobre o que é o certo ou o errado, na verdade lhe apresenta vários pontos de vista e fica a seu critério julgar quem é mocinho e quem é o vilão, sendo que o livro nos lembra que essas medidas não são condizentes para julgar uma pessoa sem entender o que ela passou, e mesmo assim, ficaremos com o sentimento de que não é possível decidir por isso, afinal, todos nós somos suscetíveis ao erro, com os personagens pode ocorrer o mesmo, revelando o ponto alto da autora: a veracidade com que ela conta uma história, trazendo personagens que beiram ao real.

    Pequenos Incêndios Por Toda Parte entrou para o rol de melhores leituras do ano. Um drama familiar bem tecido, cheio de plots, e com temas que vão ecoando em sua mente por um longo período. No entanto, o final da obra é, de certa forma, aberto, embora tenha finalizado bem o livro, ficamos tão envoltos na história que queremos mais sobre esses personagens. O que fica é um sentimento de saudade misturado com as perguntas sobre o futuro deles.

Ficha técnica

Título: Pequenos Incêndios Por Toda Parte
Autor:  Celeste NG
Título originalLittle Fires Everywere (2017)
Tradução: Julia Sobral Campos
Editora: Intrínseca
Gênero: Romance norte-americano
Edição: 1 
Ano: 2018
ISBN: 978-85-510-0312-1
Páginas: 416

Avaliação: 

Resenha de número 386: 

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1 Comentários

  1. Olá
    Vocês conseguiram resumir bem o que senti no final da história: Eu sabia que tinha acabado, mas queria saber o que ia acontecer com as personagens, precisava saber se ia ficar tudo bem. Adorei o livro e também se tornou uma das melhores leituras do ano.

    Vidas em Preto e Branco

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