Krishna Monteiro, o autor do aclamado livro de contos 'O que não existe mais' (Tordesilhas, 2016) faz sua estréia no romance com 'O Mal de Lázaro', obra que ganha força com a sua narrativa envolta de sensibilidade.
O livro se abre com três estrofes do considerado melhor poema brasileiro de todos os tempos: 'A maquina do mundo', de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), e segue dividido em três partes: a mancha, a música e a mancha em capítulos curtos, para contar a história de um homem batizado pela narradora como Lázaro. É através dessa narradora desconhecida que também avistamos esse homem com as mãos feridas e costas curvas indo a caminho da praia sendo seguido por uma multidão de odiosos sem motivos aparentes.
Chamei-te Lázaro, pois nunca soube teu verdadeiro nome; e, se quisermos uma chance de juntos compreendermos por quais razões dessa forma agi, talvez tenhamos – tu, eu, e todos os que nos ouvem – de deixar por um momento esta noite em montanhas, e também a praia logo abaixo e também o teu fim que se aproxima, e juntos retornarmos até o primeiro dia, a primeira vez que te vi. (p. 14)
Lázaro exerce o bruto trabalho no matadouro e que tende a atormentá-lo com sons, imagens e cheiros. À noite, em seu quarto, ele pinta a carvão cenários das cidade e dos animais numa forma de imortalizá-los ou lhes dar a novamente a vida; forma essa também de dar fim ao sofrimento que esse trabalho lhe causa. A mancha em sua mão vai se firmando ao longo da narrativa, a medida que as inquietações do homem vão também aumentando. Já a narrador acompanha tudo de perto, sentada na poltrona. O homem é tratado com indiferença pelas pessoas da região, por outro lado, isso muda quando se espalha o boato de que suas obras de arte possuem o poder da cura.
Quem será esse Lázaro? E quem é essa que narra essa história em segunda pessoa se dirigindo não ao leitor, mas ao próprio Lázaro? Por que uma multidão lhe segue? São perguntas que o romance vai respondendo aos pouquinhos, de forma bem dosada pelo autor que possui uma escrita minuciosa e de descrições bonitas das situações recorrentes do livro. Não sabemos onde a história se passa, muito menos quem são essas pessoas, e isso deixa uma lacuna para que o próprio leitor desenhe, através dos detalhes dados, os contornos desse cenário.
O ritmo da obra é lento e exige atenção dobrada do leitor para acompanhar o que a narradora está relatando, afinal, qualquer deslize pode gerar um desentendimento do que se segue.
'O Mal de Lázaro' é um denso romance que evidencia o quão contraditória uma sociedade pode ser, principalmente quando julga e trata com rudez/repulsa uma determinada pessoa que pensa ser desnecessária, porém, quando a mesma possui algum trunfo essencial às demais, essa sociedade volta atrás e muda seu posicionamento, talvez até mesmo hipocritamente.
Recomendo a obra pra aqueles que gostam de livros que nos ganham não só pela história, mas também pela forma, sendo assim, um livro desafiador e que exige mais do leitor por ser um livro bem pensado e bem escrito.
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